JULGAMENTO DE JAIR BOLSONARO É DESTAQUE NA IMPRENSA INTERNACIONAL; BRASIL ENFRENTA DONALD TRUMP, DIZ WASHINGTON POST

Julgamento é tema de reportagens e podcasts na imprensa internacional; veja repercussão. Jornal dos Estados Unidos destaca julgamento do ex-presidente e mais sete criminosos do ‘núcleo crucial’ da tentativa de golpe, que marca inflexão na história política do País
Segunda-feira, (01) de setembro de 2025
Com o início do julgamento da trama golpista pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira, o Brasil confronta o seu passado autoritário e também o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A síntese é do jornal americano Washington Post, um dos veículos da imprensa estrangeira que repercutiram a "contagem regressiva" para a análise do processo de Jair Bolsonaro e outros sete réus.

É a primeira vez na História que vão a julgamento acusados por uma tentativa de golpe de Estado. A análise jurídica terá também efeitos na campanha presidencial e na recente tensão diplomática entre Brasil e Estados Unidos, cujas autoridades impuseram tarifas a produtos brasileiros e incluíram o ministro Alexandre de Moraes, do STF, no rol de sancionados pela Lei Magnitsky, em meio a críticas sobre supostas violações de direitos humanos contra Bolsonaro e outros acusados.

O Washington Post destacou, em edição desta terça-feira, que apesar da "longa história de golpes", nenhum general ou político brasileiro havia sido julgado por "subverter a vontade do povo". "Até esta semana", ponderou o diário.

"O processo criminal marca uma reviravolta significativa, dizem historiadores, em um país que tradicionalmente escolhe a conciliação em vez da acusação quando se trata de supostos crimes contra o Estado democrático", disse o Post.

Já o New York Times disse que o julgamento é um momento histórico para a democracia brasileira e apontou que o ex-presidente brasileiro poderá ser condenado a ficar "décadas" na prisão. O processo contra a trama golpista gerou "questionamentos desconfortáveis" sobre a maneira como se deu essa proteção do regime democrático — notavelmente, destacou o NYT, a partir dos "poderes extraordinários" assumidos pelo STF nos últimos anos.

O diário deu destaque para o reforço da segurança na residência onde Bolsonaro está preso. As autoridades brasileiras "estão tomando medidas para apertar ainda mais o cerco ao ex-líder, em meio a crescentes preocupações de que ele possa tentar fugir", reportou. Policiais à paisana montagem guarda no local para "vigiar de perto" o ex-presidente enquanto ele aguarda o julgamento.

"As autoridades estão especialmente preocupadas com os esforços recentes de um de seus filhos para pressionar a Casa Branca a intervir no caso de seu pai", ressaltou o NYT, em referência a Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que, dos Estados Unidos, tenta articular pressão internacional em favor da anistia.

Depois de publicar, na capa da última quinta-feira, que o Brasil dá "uma lição de democracia" aos Estados Unidos com o julgamento de um ex-presidente que tentou se manter à força no poder após perder as eleições, a revista britânica "The Economist" fez um podcast sobre Bolsonaro, chamado de "Trump dos Trópicos". O republicano saiu ileso por incentivar os apoiadores a invadirem o Capitólio, em janeiro de 2021.

"À medida que os Estados Unidos se tornam mais corruptos e autoritários, o Brasil busca responsabilizar seu ex-presidente golpista. O iminente julgamento de Jair Bolsonaro oferece lições sobre como uma nação pode se recuperar do populismo antidemocrático", disse a revista, na apresentação do conteúdo de áudio.

O britânico The Guardian, por sua vez, apresentou o julgamento com uma entrevista do trompetista Fabiano Leitão. O homem ficou conhecido por tocar o instrumento ao fundo de momentos que marcam reveses de bolsonaristas. Quando Bolsonaro era presidente, o músico ia atrás dele pela capital federal para tocar interpretações do hino antifascista Bella Ciao. Em março, depois de o ex-presidente ser acusado de tramar um golpe, Leitão passou a entoar a Marcha Fúnebre de Chopin.

O jornal britânico diz que o trompetista ensaia um samba para o momento de Bolsonaro ser condenado. "Leitão está entre milhões de brasileiros progressistas que têm o champanhe metafórico na geladeira antes da tão aguardada condenação de Bolsonaro e sete supostos conspiradores, quando o julgamento começar esta semana", destaca a reportagem.

Para o jornal espanhol El País, o julgamento marca uma "contagem regressiva" para Bolsonaro, seu clã e a direita do Brasil, já que o caso abriu a batalha pela sucessão. A movimentação também deixou em alerta o movimento populista nacionalista conservador internacional, diz a reportagem.

O diário destacou que o ex-presidente pode pegar mais de 40 anos de prisão no "julgamento mais importante da História recente" do país e ressaltou como Trump tentou atrapalhar, sem sucesso.

"A artilharia pesada de Trump — tarifas sobre o Brasil e sanções contra vários juízes do país — aparentemente não afetou o tribunal, que continua com seu calendário. O poderoso juiz Alexandre de Moraes (sancionado pelos Estados Unidos) e outros quatro juízes decidirão o futuro de Bolsonaro em cinco sessões entre 2 e 12 de setembro", escreveu.

Já o El Universal, do México, destacou que Bolsonaro responde por cinco crimes: organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado. Destacou, ainda, que o complô teria incluído ações extremas como o envenenamento do presidente Lula e o assassinato do juiz do STF Alexandre de Moraes, "considerado um dos principais inimigos políticos de Bolsonaro".

O que esperar do julgamento?
O julgamento deverá ser tomado por debates que vão além de declarar se o ex-presidente Jair Bolsonaro e os outros sete réus são culpados ou inocentes.

Algumas das definições poderão alterar de forma relevante os desfechos para cada um dos envolvidos, como o regime de cumprimento de pena, se a sentença for desfavorável aos réus; a perda de direitos políticos; e o tamanho da eventual condenação.

Bolsonaro é acusado de "liderar" uma organização criminosa que se baseava em um "projeto autoritário de poder" e visava dar um golpe de Estado.

Os advogados afirmam que o ex-presidente é inocente e não compactuou com qualquer tentativa de ruptura democrática. Durante seu interrogatório no STF, em junho, Bolsonaro admitiu que discutiu "alternativas" para a derrota eleitoral de 2022, mas negou a investida golpista. Segundo afirmou na ocasião, o plano não foi adiante e as propostas foram descartadas, pois não havia "clima", "oportunidade" e "base minimamente sólida para qualquer coisa".

O peso histórico do julgamento
Especialistas ouvidos pelo jornal norte-americano apontam que o processo representa um divisor de águas. Carlos Fico, historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, destacou: “Por décadas, estudei mais de uma dúzia de golpes e tentativas de golpe, e todos resultaram em impunidade ou anistia. Desta vez será diferente”.

A acusação sustenta que Bolsonaro não apenas questionou, sem provas, a legitimidade das urnas eletrônicas, mas também teria redigido e apresentado a militares um decreto para “corrigir” o resultado eleitoral. O documento previa ainda a possibilidade de prender e assassinar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, segundo mensagens interceptadas pela polícia, lembra a reportagem.

Reação internacional e confronto com Trump
A análise ressalta também a crescente tensão diplomática entre Brasil e Estados Unidos. O presidente norte-americano, Donald Trump, aliado de Bolsonaro, classificou o processo como uma “caça às bruxas” e impôs tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, além de sancionar Moraes. Em entrevista ao The Washington Post, o ministro rebateu: “O Brasil não vai ceder à pressão. Todos aqui reconhecem e respeitam o poder militar e econômico dos Estados Unidos, mas o Brasil é independente e continuará independente”.

O impacto interno e os fantasmas da ditadura
O julgamento ocorre em um país ainda marcado por silêncios históricos: a escravidão e a ditadura militar. Ao contrário de vizinhos como Chile e Argentina, que processaram responsáveis por violações de direitos humanos, o Brasil optou pela anistia em 1979. Para a historiadora Lilia Schwarcz, da Universidade de São Paulo, o caso atual tem forte simbolismo: “O Brasil carrega dois pactos de silêncio. É por isso que este processo é tão simbólico”.

A análise do Post lembra que, ao longo da história republicana, o Brasil sofreu 14 tentativas de golpe, metade delas bem-sucedidas. A mais marcante, em 1964, instaurou 21 anos de regime militar, período de censura, torturas e assassinatos reconhecidos pela Comissão Nacional da Verdade em 2012.

Efeitos políticos e o futuro da direita
As audiências devem durar menos de duas semanas, com transmissão nacional, e podem redefinir a relação entre militares e política. Para o cientista político Matias Spektor, da Fundação Getulio Vargas, trata-se de um momento sem precedentes: “O país nunca colocou na prisão alguém que teve acesso ao aparato bélico do Estado. Isso é revolucionário”.

Pesquisas recentes indicam que a maioria dos brasileiros apoia a prisão domiciliar de Bolsonaro. Além disso, análises sugerem que sua base de apoiadores começa a se fragmentar. A socióloga Esther Solano, da USP, afirmou: “Os bolsonaristas começaram a perceber que Bolsonaro acabou politicamente. A possibilidade de prisão é muito alta”.

Ainda assim, especialistas avaliam que a extrema direita continuará atuante. Uma pesquisa de dezembro apontou que apenas 69% da população declarou apoio pleno à democracia, enquanto 8% afirmaram preferir uma ditadura e 17% disseram não ter preferência. Para Spektor, o fenômeno político criado por Bolsonaro deve sobreviver ao próprio líder: “O movimento vai se desgrudar da família Bolsonaro e seguirá em frente. Essa onda está muito viva no Brasil e nada sugere que diminuirá tão cedo”.


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