Um dos presos em ação contra fintech do PCC esteve em 25 comitivas de viagem do governador Tarcísio Freitas. Quadrilha movimentou R$ 6 bilhões nos últimos cinco anos, dos quais R$ 800 milhões apenas em 2024, segundo relatório da Polícia Federal.
Sábado, (30) de agosto de 2025
A Polícia Federal (PF) prendeu nesta terça-feira um policial militar e um policial civil de São Paulo por suspeita de integrarem um esquema de lavagem de dinheiro do crime organizado por meio de fintechs. Um deles, o capitão da PM Diogo Costa Cangerana, estava na Casa Militar do Palácio dos Bandeirantes e trabalhava diretamente com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em sua segurança. Ele chegou a acompanhar o governador em viagens e receber prêmio pelos bons serviços prestados.
As informações foram reveladas pelo jornal "O Estado de São Paulo" e confirmadas pelo GLOBO. O outro agente preso foi o policial civil Cyllas Salerno Elia Júnior, que trabalhava no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) até dezembro de 2022, quando pediu afastamento não remunerado por dois anos. Ambos foram presos no câmbio da Operação Dólar Tai-Pei.
Cyllas foi citado na delação do empresário Antonio Vinicius Gritzbach, que foi morto no Aeroporto de Guarulhos no dia 8 de novembro. O empresário havia denunciado o agente à Corregedoria da Polícia Civil oito dias antes de ser executado. Cyllas é dono do 2 GO Bank, e segundo as investigações, há indícios de que ele tenha relação com integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). A PF investiga se a instituição faria parte de um complexo sistema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. As fintechs, segundo a PF, atuariam na venda de moeda estrangeira em espécie, sem autorização do Banco Central, inclusive usando empresas "laranjas" para abrir contas bancárias para movimentar os recursos.
Segundo a PF, o esquema movimentou R$ 6 bilhões nos últimos cinco anos, dos quais R$ 800 milhões apenas em 2024, tanto no Brasil quanto em outros países, como Estados Unidos, Panamá, Argentina, Bolívia, Paraguai, Itália, Dubai e China.
Foram cumpridos 16 mandados de prisão. Ainda de acordo com as investigações, o esquema contava com a atuação de policiais militares e civis, gerentes de bancos e contadores, que atendiam pessoas que queriam lavar dinheiro ou enviar e receber recursos do exterior, e há indícios de envolvimento de organizações voltadas ao tráfico de drogas e armas.
Cangerana atuava na Casa Militar do Palácio dos Bandeirantes como Chefe de Equipe da Divisão de Segurança de Dignitários do Departamento de Segurança Institucional, de 2012 até 3 de setembro deste ano. A partir dessa data, foi transferido para o 13º Batalhão, na região central. Enquanto estava na Casa Militar, recebia gratificações justamente por seu cargo ser considerado cargo de confiança do governador. As investigações apontam sua participação na abertura de contas nessas instituições financeiras.
Já Cyllas foi citado na delação de Gritzbach. Sobre ele, pairam as suspeitas de que o banco do qual é sócio, o 2 GO Bank, seria usado para praticar ilícitos para o crime organizado.
A instituição financeira tem atuação sobretudo no mundo esportivo, é patrocinadora do Esporte Clube Vitória e criou o Vitória Bank, uma fintech voltada para torcedores, além de ter uma parceria com a Torcida Independente, do São Paulo Futebol Clube. O 2 GO chegou a negociar uma parceria com o Corinthians, mas o acordo não foi para frente. Em nota, o clube paulista afirmou apenas que “recebeu um orçamento como tantos outros” que costumam receber. A reportagem tenta localizar a assessoria do 2 GO Bank.
Cangerana atuara na Casa Militar do Palácio dos Bandeirantes até setembro de 2024, quando fora transferido para o 13º Batalhão da PM, responsável pelo patrulhamento da Cracolândia. Oficialmente, seu cargo era de Chefe de Equipe da Divisão de Segurança de Dignitários do Departamento de Segurança Institucional.
Apesar da proximidade em agendas oficiais e de campanha — em imagens divulgadas pelo próprio governador no Instagram ele aparecia em eventos ao lado de Tarcísio — a assessoria do governo paulista afirmou, na época, que o capitão não exercia funções de assessoria direta, mas apenas atividades operacionais de rotina, como outros policiais destacados em escala.
O governador classificou a prisão como “um ato isolado” e prometeu punição. “Toda instituição tem suas maçãs podres”, declarou Tarcísio, negando que Cangerana fosse seu chefe de segurança. “Ele estava na Casa Militar havia 14 anos, serviu a vários governadores, e foi retirado em setembro de 2024. Se soubéssemos de algo, teria saído muito antes.”
Presença em agendas públicas
O policial acompanhou o governador em viagens nacionais e internacionais. Esteve em Portugal, onde Tarcísio apresentou ações da Sabesp a investidores, e em Balneário Camboriú, durante a CPAC Brasil, evento em que o governador encontrou o presidente da Argentina, Javier Milei, e o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Cangerana também esteve com Tarcísio em compromissos no interior paulista e em Belo Horizonte, em encontros com governadores do Sul e Sudeste. Em quatro ocasiões, integrou ainda as comitivas do vice-governador Felício Ramuth (PSD), quando ele assumiu interinamente o comando do Estado.
Segundo o levantamento do jornal, em julho de 2023 Cangerana fora visto no Ministério da Fazenda em Brasília, onde, no dia anterior a um encontro entre Tarcísio e Fernando Haddad, teria ensaiado o trajeto que o governador faria e conversado com seguranças do prédio — procedimento de praxe. No dia da reunião, retornou com Tarcísio, mas permaneceu do lado de fora da sala.
A Polícia Federal afirmou que Cangerana seria um dos articuladores do chamado “sistema financeiro do crime”, cuidando da abertura de contas em fintechs usadas para movimentar recursos de facções. Segundo as investigações, três fintechs envolvidas no esquema teriam feito circular R$ 6 bilhões em cinco anos, com ramificações em diversas organizações criminosas.
A Corregedoria da Polícia Militar acompanhava as apurações. O Palácio dos Bandeirantes informou, na ocasião, que Cangerana deixara a Casa Militar em setembro e que o governo aguardava o desenrolar das investigações.
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