Parlamentares também reincluem isenção de fundos do agro e imobiliários, contrariando proposta de justiça tributária
Quarta-feira, (18) de junho de 2025
Em sessão conjunta realizada na noite desta terça-feira (18), o Congresso Nacional derrubou uma série de vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a trechos de leis recentes, impondo derrotas ao governo.
Além de retomar dispositivos que aumentam os custos da conta de luz para os consumidores, os parlamentares restabeleceram isenções fiscais para fundos do agronegócio e do setor imobiliário — medidas que haviam sido vetadas por Lula por contrariar os princípios da reforma tributária e por favorecer setores privilegiados da economia.
As derrubadas ocorreram em uma sessão marcada por forte pressão de lobbies econômicos e ampla articulação de lideranças partidárias, especialmente do Centrão. O Planalto, embora contrário a diversas das matérias, evitou confrontos diretos com o Congresso, temendo prejuízos em outras pautas prioritárias em tramitação.
Os vetos derrubados nesta terça podem custar ao todo R$ 197 bilhões na conta de luz até 2050, nas contas da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace).
Conta de luz mais cara para o consumidor
Um dos principais pontos retomados foi a reinclusão de “jabutis” na legislação do setor elétrico, que haviam sido vetados por Lula sob a justificativa de que resultariam em aumento nas tarifas de energia. Entre eles, está a prorrogação por três anos do prazo para distribuidoras compensarem sobras de contratos de termelétricas, evitando punições da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Também foi retomada a extensão de subsídios às tarifas de transmissão (TUST) e distribuição (TUSD) para grandes projetos de geração renovável, como usinas solares e eólicas.
Segundo técnicos do Ministério de Minas e Energia (MME) e estimativas do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), a volta desses dispositivos pode gerar impacto de até R$ 3,4 bilhões por ano, que serão repassados para os consumidores. A Aneel alertou que o aumento médio na tarifa pode chegar a 5% para os usuários residenciais.
Isenções para fundos bilionários
Outro ponto sensível da sessão foi a derrubada do veto à isenção de Imposto de Renda para rendimentos obtidos por investidores estrangeiros em Fundos de Investimento nas Cadeias Agroindustriais (Fiagro) e Fundos de Investimento Imobiliário (FII). Lula havia vetado dispositivos, sob o argumento de que as isenções não têm justificativa econômica e comprometem os princípios da reforma tributária, que busca ampliar a base de contribuintes.
Com a decisão do Congresso, os fundos voltam a ter tratamento fiscal privilegiado. A Receita Federal estima que a isenção resultará em uma perda de arrecadação superior a R$ 10 bilhões nos próximos anos. Técnicos do Ministério da Fazenda também alertaram que a medida beneficia os 0,1% mais ricos do país e dificulta o esforço do governo para reduzir desigualdades por meio do sistema tributário.
Embora os vetos tenham sido defendidos publicamente por integrantes do governo, a base aliada não conseguiu impedir sua derrubada. Deputados e senadores governistas se dividiram nas votações, e muitos alegaram pressão de setores empresariais em seus estados e a necessidade de preservar apoios locais.
“Foi uma sessão que expôs a força dos lobbies sobre o interesse público”, disse o deputado Bohn Gass (PT-RS), contrário à derrubada dos vetos. “O governo teve razão em vetar. Agora, os consumidores e a população em geral é que vão pagar a conta.”
O Palácio do Planalto, por sua vez, procurou minimizar o desgaste e evitou confrontos diretos. Assessores do presidente Lula disseram que o governo seguirá buscando formas de mitigar os impactos das medidas e pode enviar novos projetos de lei para corrigir distorções no sistema energético e tributário.
A decisão do Congresso entra em vigor imediatamente, e seus efeitos devem começar a ser sentidos nos próximos ciclos de revisão tarifária e na arrecadação federal. Para analistas, o resultado da sessão é um alerta sobre a dificuldade de avançar com pautas de justiça social e econômica sem enfrentar resistência de setores privilegiados no Legislativo.
Entenda o caso
Pontos que o Congresso incluiu na lei, que causam o aumento:
1- Obrigatoriedade de contratação de energia de pequenas centrais hidrelétricas: O texto determina a contratação compulsória de 4,9 GW, mesmo não havendo necessidade.
Hoje, de acordo com a consultoria de energia PSR, a contratação é condicionada ao crescimento da demanda das distribuidoras, em compasso com o consumo de energia no país. As associações estimam que este ponto sozinho provoca um aumento de R$ 140 bilhões no custo final até 2050.
"Ao impor contratações específicas sem justificativa técnica ou econômica, como a inclusão de 4,9 GW em Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), o PL cria distorções. Embora as PCHs desempenhem um papel importante na matriz elétrica brasileira, sua contratação compulsória, sem planejamento adequado, agrava ainda mais a sobreoferta atual de energia no Brasil, aumentando a dificuldade em equilibrar oferta e demanda, ampliando os cortes de geração (curtailment) de energia renovável e gerando impactos financeiros significativos para o setor elétrico", diz a nota técnica das 12 entidades;
2- Contratação de hidrogênio líquido a partir do etanol na Região Nordeste e de eólicas na Região Sul: Impacto pode chegar a R$ 33 bilhões- R$ 28 bilhões do hidrogênio e R$ 5 bilhões das eólicas do sul, diz a frente;
3- Prorrogação contratual por 20 anos de contratos de compra de energia do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa): Impacto de R$ 24 bilhões.
Impacto
Segue o cálculo do impacto, enviado pelas associações, de acordo com cada trecho do projeto.
O que o Congresso retomou hoje, a partir da derrubada do veto (R$ 197 bilhões):
- Obrigação de contratar energia de pequenas centrais hidrelétricas: R$ 140 bilhões;
- Contratação de hidrogênio líquido a partir do etanol na Região Nordeste e de eólicas na Região Sul: Impacto pode chegar a R$ 33 bilhões- R$ 28 bilhões do hidrogênio e R$ 5 bilhões das eólicas do sul;
Prorrogação contratual por 20 anos de contratos de compra de energia do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa): Impacto de R$ 24 bilhões.
O que falta votar (R$ 348 bilhões):
- Extensão do prazo para contratação de usinas a carvão: R$ 92 bilhões;
- Obrigação de pagar por energia de térmicas a gás: R$ 155 bilhões;
- Manutenção dos subsídios à energia solar: R$ 101 bilhões.
- Impacto de todo o projeto: R$ 545 bilhões até 2050
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