‘REI DO LIXO’: POR QUE O CASO DO INDICADO POR ACM NETO PODE EXPOR TANTA GENTE DO UNIÃO BRASIL

Investigação sobre empresário baiano que atua no ramo de limpeza urbana envolve a cúpula do União Brasil e outros partidos do centrão. Apuração foi remetida ao Supremo. Há disputa sobre relatoria
Sábado, (05) de abril de 2025
Investigação da Polícia Federal que apura desvios de dinheiro público provenientes de emendas parlamentares e de fraudes em licitações chegou ao Supremo Tribunal Federal. 

Batizada de Operação Overclean, o caso envolve o empresário baiano José Marcos Moura, conhecido como “Rei do Lixo”, e autoridades com prerrogativa de foro, o que fez com que o caso fosse enviado à Corte. A relatoria será de Kassio Nunes Marques. A PF solicitou que as investigações no STF passem ao ministro Flávio Dino, que relata casos envolvendo as emendas.

Neste texto, o Nexo explica o caso e as repercussões da investigação em Brasília.

Quem é o ‘rei do lixo’
José Marcos de Moura é empresário e dono da MM Consultoria Construções e Serviços, que atua no ramo de limpeza urbana em 17 estados do país. Um dos focos principais de Moura é o estado da Bahia, onde ele ganhou a alcunha de “rei do lixo” por dominar o setor.

Moura faz parte do diretório da executiva nacional do União Brasil e é próximo do presidente do partido, Antonio Rueda, eleito em fevereiro de 2024. Moura foi indicado para a cúpula do partido por ACM Neto, vice-presidente da legenda e ex-prefeito de Salvador.

O atual prefeito da capital baiana, Bruno Reis, do mesmo partido, é outro nome do círculo do empresário. Em Salvador, o “rei do lixo” administra um contrato de limpeza urbana de R$ 427 milhões, fechado em 2018 por meio do consórcio Ecosal, do qual é dono.

No dia 3 de dezembro, antes da primeira fase da Operação Overclean ser deflagrada, a polícia encontrou R$ 1,5 milhão em espécie em um jatinho que saiu de Salvador para Brasília. Uma planilha que listava contratos e valores suspeitos firmados no Rio de Janeiro e no Amapá também foi apreendida.

Estavam na aeronave o empresário Alex Rezende Parente , que, segundo a PF, seria sócio de Moura, e o ex-coordenador do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) na Bahia, Lucas Lobão. O voo foi organizado por Moura.

No dia 10 de dezembro de 2024, Moura foi preso preventivamente na primeira fase da Overclean, acusado pela Polícia Federal por ser um dos operadores do suposto esquema de desvios de recursos federais, incluindo emendas parlamentares direcionadas ao Dnocs, e de contratos firmados com dezenas de prefeituras e secretarias estaduais.

Durante a operação, foram apreendidos R$ 3,4 milhões em espécie, três aeronaves e três barcos, 23 veículos e 38 relógios de luxo. Somados, os bens somam cerca de R$ 162 milhões.

Em 19 de dezembro, a Justiça determinou que Moura fosse solto, por entender que não havia risco à elucidação dos fatos, e que os principais elementos probatórios já tinham sido coletados pela polícia e estavam à disposição do Ministério Público Federal.

De acordo com a investigação, Moura atuou como “articulador político e operador de influência” para facilitar o andamento de contratos e o desbloqueio de pagamentos.

Segundo o jornal O Globo, relatório da PF enviado ao Judiciário afirma que Moura “utiliza sua rede de contatos e influência política para interceder junto a autoridades, protegendo os interesses da organização, facilitando o andamento de contratos e o desbloqueio de pagamentos. Moura é uma figura-chave que conecta os líderes da organização com figuras políticas de relevância, garantindo que fraudes continuem operando sem interrupções”.

Ainda segundo a PF, a filiação do empresário ao partido União Brasil teve como objetivo ampliar a sua influência sobre decisões políticas. Registros de entrada da Câmara dos Deputados obtidos pela investigação mostram que, em dois anos, Moura esteve 27 vezes na Casa, mais da metade delas em reuniões com lideranças do União Brasil.

O líder do União na Câmara, deputado Elmar Nascimento (BA), afirmou ao jornal O Globo que encontrou Moura algumas vezes na mesa de reuniões da liderança. O empresário também esteve no Palácio do Planalto no final do governo Jair Bolsonaro (PL), no dia 21 de dezembro de 2022.

Como funciona o esquema
As suspeitas do caso surgiram em 2021, quando a CGU identificou um possível superfaturamento de R$ 8 milhões nos processos para contratação de obras do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) na Bahia, ao realizar uma auditoria sobre a aplicação de recursos de emendas parlamentares, e encaminhou os documentos para a PF, que começou a apurar os desvios em 2023.

De acordo com a Controladoria-Geral da União, houve ainda denúncia de lavagem de dinheiro envolvendo sócios de uma empresa do grupo de Moura contratada pela Dnocs Bahia. Segundo a apuração policial, a organização criminosa direcionava recursos públicos, provenientes de emendas parlamentares e convênios, para empresas e indivíduos ligados a administrações municipais. Os crimes teriam sido cometidos de 2018 a 2024, em cidades de 17 estados.

Emendas parlamentares são recursos do Orçamento público cujo destino é decidido por deputados e senadores, que os enviam aos seus redutos eleitorais. O esquema superfaturava obras e manipulava a liberação de verbas para projetos previamente selecionados: lobistas cooptavam servidores públicos que direcionavam licitações ao grupo de José Marcos de Moura, que usava empresas de fachada e laranjas para legalizar o dinheiro. A PF define a dinâmica como “sofisticada”: a atuação do grupo era estruturada em operadores centrais e regionais.

Depois que os contratos fraudulentos eram fechados, as empresas envolvidas superfaturavam valores e aplicavam sobrepreços, repassando propinas por meio de empresas de fachada ou de métodos que ocultavam a origem do dinheiro. No pedido de habeas corpus, a defesa de Moura alegou que as motivações para a prisão eram equivocadas, e que havia outras medidas cautelares alternativas.

Nova ‘’Lava Jato’?
Todas as cidades e estados envolvidos na investigação são administradas pelo União Brasil na prefeitura, no governo estadual ou na administração de alguma secretaria.

Segundo a colunista Malu Gaspar, do jornal O Globo, o nome do deputado Elmar Nascimento, que a princípio não estava envolvido nas operações da Polícia Federal, apareceu depois que os investigadores encontraram no cofre do empresário uma escritura de compra e venda de um apartamento de luxo da empresa da filha dele para o deputado.

O valor do imóvel está abaixo do preço de mercado, o que pode indicar, segundo a PF, algum tipo de acerto. Por envolver o nome de Elmar, que tem prerrogativa de foro por causa da função de deputado, a investigação foi remetida ao STF.

Na investigação há outros nomes ligados à legenda, entre eles um primo de Elmar, o vereador Francisquinho Nascimento, da cidade de Campo Formoso (BA), que foi preso na Operação Overclean no dia 10 de dezembro. Pouco antes de ser detido pelos agentes, o vereador jogou pela janela de sua casa uma sacola com R$ 220 mil.

Nas apurações, surgiu ainda o nome de Ana Paula Magalhães, chefe de gabinete do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que deve assumir novamente a presidência do Senado em 2025. Segundo as investigações, Magalhães surge em conversas de suspeitos presos na Overclean, que tinham o objetivo, diz a PF, de viabilizar contratos com prefeituras em municípios comandados pelo partido.

Em uma das interceptações da PF, a chefe de gabinete de Alcolumbre agiu para liberar uma emenda parlamentar de R$ 14 milhões para uma licitação em Juazeiro (BA), desde que a concorrência fosse direcionada para uma empresa de pavimentação ligada ao esquema do “rei do lixo”.

Embora o potencial da investigação complique sobretudo a cúpula do União Brasil, há outros partidos envolvidos, como o PP, MDB, PSD, Republicanos, Solidariedade e PSDB – nomes de vereadores e membros do governo filiados a esses partidos, de diversas cidades dos estados envolvidos, são citados pela PF como facilitadores ou participantes do esquema criminoso.

Por envolver uma grande gama de partidos – a maioria do centrão – o caso tem causado temor em Brasília e tirado o sono de parlamentares, com potencial de tornar-se uma “nova Lava Jato”, que já foi batizada como a maior operação contra a corrupção do Brasil.

A Lava Jato determinou, por anos, os rumos políticos e econômicos do país, revelando esquemas ilegais na Petrobras, impulsionando outras investigações e levando pessoas poderosas à prisão. Os métodos da Lava Jato, porém, foram questionados, e houve reviravolta nos personagens centrais envolvidos, dez anos após a deflagração da primeira fase, em 2014.

A relatoria no STF pelo ministro Kássio Nunes Marques tranquilizou os políticos, segundo o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, e decepcionou os investigadores, que solicitaram que as investigações na Corte passem ao ministro Flávio Dino, que já relata casos envolvendo emendas parlamentares.

Nunes Marques disse ao site Metrópoles na segunda-feira (20) que vai avaliar o pedido da Justiça da Bahia para que Dino assuma a relatoria do caso. A decisão sobre se ele ou Dino serão os responsáveis pela apuração deve sair em fevereiro, quando são retomados os trabalhos no Supremo.


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