Segunda-feira, 11 de janeiro 2021
A Ford anunciou, nesta segunda-feira (11,) o fechamento de suas fábricas no Brasil, como parte do plano de reestruturação da empresa na América do Sul. Em nota, Jim Farley, presidente e CEO da Ford, afirmou que a decisão foi “muito difícil”, mas necessária para a criação de um negócio saudável e sustentável.
A assessoria de imprensa da Ford confirmou ao InfoMoney que serão encerradas as operações nas plantas de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e da Troller (em Horizonte, CE) ainda em 2021 e as vendas dos modelos Ka, EcoSport e do Troller T4 serão interrompidas quando acabarem os estoques dos veículos.
A assessoria afirmou ainda que a montadora manterá apenas as fábricas na Argentina e no Uruguai, o Centro de Desenvolvimento de Produto, na Bahia, o Campo de Provas, em Tatuí (SP), e sua sede regional em São Paulo. Os serviços de assistência ao consumidor seguem funcionando nas operações de vendas, peças de reposição e garantia para os clientes no Brasil.
A empresa disse que, com a decisão, 5 mil funcionários da Ford devem ser demitidos no Brasil e na Argentina, mas a montadora vai trabalhar “em estreita colaboração com os sindicatos e outros parceiros no desenvolvimento de um plano justo e equilibrado para minimizar os impactos do encerramento da produção”.
“Estamos mudando para um modelo de negócios ágil e enxuto ao encerrar a produção no Brasil, atendendo nossos consumidores com alguns dos produtos mais empolgantes do nosso portfólio global. Vamos também acelerar a disponibilidade dos benefícios trazidos pela conectividade, eletrificação e tecnologias autônomas suprindo, de forma eficaz, a necessidade de veículos ambientalmente mais eficientes e seguros no futuro”, diz a nota divulgada pela Ford.
Crise na indústria automotiva brasileira?
Sergio Vale, economista-chefe e sócio da MB Associados, avalia que a indústria automotiva está passando por grandes desafios nos últimos anos, motivados tantos por fatores estruturais, como o menor desejo das pessoas por automóveis, até questões mais pontuais, como a crise econômica e a pandemia.
“Na saída desta crise, especificamente, será certo o aumento da desigualdade de renda e a demora para a queda do desemprego. Haverá menos espaço para compra de automóveis no ritmo que se viu na primeira década do século. Por isso, continuaremos a ver reestruturações na indústria como nesse caso”, diz Vale.
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, comenta que a Ford já vinha sinalizando que pretendia encerrar a produção no Brasil. “Tanto que em 2019 a empresa encerrou as atividades da fábrica de caminhões no ABC Paulista, mas a pandemia acelerou a saída do país. É uma notícia extremamente ruim para o mercado brasileiro, não só por conta dos empregos diretos que a Ford gera, mas também pelos indiretos, por meio das empresas-satélite, como os fornecedores de autopeças. O impacto vai ser bem significativo”, diz.
Agostini destaca ainda que a montadora deve passar a importar mais veículos para o Brasil de fábricas instaladas em países vizinhos, que possuem ambientes de negócio mais favoráveis que o brasileiro. “A Ford anunciou que vai continuar produzindo carros na Argentina, que tem custos menores de produção, principalmente porque nossos encargos trabalhistas e custos de energia são muito altos. Então, ela deve manter operações no Uruguai e Argentina e os carros da Ford devem passar a ser ainda mais importados desses países”, completa.
Para Milad Kalume Neto, diretor de novos negócios da consultoria automotiva Jato Dynamics, a decisão da Ford tem como principal objetivo manter operações que tenham finanças melhores – como as de Argentina e Uruguai. O grande complicador nas contas brasileiras são fábricas que não operam com capacidade plena, segundo ele.
“Argentina e Uruguai têm produções menores, então vemos uma maior acomodação em termos de volume. Não é mais necessário ter plantas no mercado brasileiro. A indústria automotiva não tem mais o volume das décadas anteriores, ainda que seja bastante relevante”, diz Kalume Neto, que acrescenta que o mercado automotivo brasileiro tem capacidade para produzir 5 milhões de veículos anualmente – mas a projeção de vendas internas de veículos novos está em cerca de 2,4 milhões para 2021. As demissões vêm acontecendo no setor há algum tempo.
A pandemia afetou o mercado automotivo principalmente entre março e abril de 2020 – mas o segmento já ensaiou uma recuperação no final do último ano. “Temos uma tendência satisfatória, então não creditaria essa decisão apenas à pandemia. A Ford vem perdendo fatia de mercado, com uma gama de lançamentos bastante desatualizada. Sim, ela ainda vende modelos como o Ka, mas é uma venda principalmente para a pessoa jurídica [como locadoras]. Não é uma venda tão lucrativa como a para a pessoa física.”
Decisão inédita
Em 2020, a Ford representou 7,4% do mercado de automóveis no Brasil, segundo dados da Fenabrave, entidade que representa as concessionárias de veículos.
O Ford Ka foi o 5º carro mais vendido no Brasil em 2020. Se somados os emplacamentos das versões hatch e sedã (Ka Plus) do Ka, o modelo teria sido o 2º mais vendido do país no ano passado. A marca torna a notícia ainda mais impressionante, já que é uma das primeiras vezes na história da indústria automotiva brasileira que uma montadora anuncia o fechamento da produção no país, mesmo com seus modelos figurando entre os top 5 mais vendidos no Brasil.
Ainda segundo os especialistas, o EcoSport, que também não será mais produzido em território nacional, foi um dos carros que inaugurou no Brasil e no mundo o conceito de SUV compacto – um dos modelos de maior sucesso de vendas na atualidade, não só no caso da Ford, como de outras montadoras.
Para Raphael Galante, economista que trabalha no setor automotivo há 14 anos e consultor na Oikonomia Consultoria Automotiva, apesar das sinalizações anteriores da Ford, conforme mencionou Agostini, uma decisão dessa magnitude não era esperada. “Havia uma série de conversas de concessionários e empresários com diretores da Ford sobre expansão, com a chegada de produtos como a van comercial Transit e o SUV Bronco. A impressão da indústria é que foi uma decisão de cima para baixo, vinda de Detroit [sede da montadora nos EUA] e que ninguém por aqui estava esperando”, afirmou.
Além disso, ele comenta que o impacto nas redes de concessionários será gigante. “São cerca de 350 concessionárias da Ford no país, que viram hoje seus negócios naufragarem. A grande maioria deles vende o Ka sedan e hatch e a EcoSport. Haverá um enxugamento radical dessas redes”, diz.
O que muda para o consumidor?
Para Kalume Neto, é difícil dizer se os preços dos carros da Ford irão subir e quanto. “Ficamos sujeitos à variação cambial e aos custos internacionais de logística agora. Ao mesmo tempo, temos um mercado extremamente competitivo para automóveis no Brasil. Não dá para colocar preços descolados da concorrência.”
Em termos de estoque, existe o risco de faltar veículos no curto prazo, até o fluxo proveniente de Argentina e Uruguai se estabelecer. “Pode haver um tempo de espera. Mas a tendência é termos veículos suficientes para o mercado em médio e longo prazo”, diz o diretor da Jato Dynamics. Vale lembrar o que o estoque de venda de veículos no país já está no menor nível da história.
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