Artigo do leitor | Jesus não morreu pelos “nossos pecados” e sim por enfrentar o sistema. Os Evangelhos são claríssimos: Jesus morreu porque confrontou o Templo, um sistema de dominação e exploração dos pobres.
Sábado, (19) de abril de 2025
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| O ex-presidente Jair Bolsonaro e o pastor André Valadão, líder da Igreja Lagoinha. Foto: Reprodução |
A iniciativa é administrada pelo líder da Igreja da Lagoinha e por sua esposa, a influenciadora Cassiane Montosa Pitelli Valadão.
Fundada em março de 2024, a empresa começou a operar recentemente. A fintech não é registrada como banco pelo Banco Central nem integra a Febraban. A assessoria do projeto afirma que se trata de um correspondente bancário, oferecendo serviços como bank as a service para igrejas e líderes religiosos. A sede funciona no mesmo prédio da Lagoinha.
A plataforma oferece cartões pré-pagos, gestão de contas digitais e linhas de crédito voltadas a entidades cristãs. Também há serviços como seguros, cashback e marketplace. Para abrir uma conta, é necessário um código de convite. Nem o número de clientes nem o volume de recursos movimentados foram divulgados.
Nas redes sociais, o Clava Forte se apresenta com o compromisso de apoiar financeiramente os projetos do que chama de “Reino de Deus”.
Além do novo empreendimento, Valadão vem ganhando holofotes por sua aproximação com emissoras como Globo e SBT, que têm buscado o público evangélico como estratégia diante da crise de audiência. A Globo, inclusive, negocia parcerias para exibir eventos da Igreja Lagoinha no Multishow e no Globoplay.
Vale lembrar que o religioso de extrema-direita é o mesmo que, em julho de 2023, disse que “Deus mataria” a população LGBTQIA+ se pudesse. Já em junho de 2024, ele foi questionado sobre o que diria a um estuprador arrependido e respondeu: “não há malignidade, perversidade, que o amor de Deus não seja maior”.
Jesus não morreu pelos “nossos pecados” e sim por enfrentar o sistema
Basta ler os Evangelhos para ver, Jesus foi assassinado pelos interesses da casta sacerdotal no poder, aterrorizada pelo medo de perder o domínio sobre o povo e, sobretudo, de ver desaparecer a riqueza acumulada às custas da fé das pessoas.
A morte de Jesus não se deve apenas a um problema teológico, mas econômico. O Cristo não era um perigo para a teologia (no judaísmo havia muitas correntes espirituais que competiam entre si, mas que eram toleradas pelas autoridades), mas para a economia. O crime pelo qual Jesus foi eliminado foi ter apresentado um Deus completamente diferente daquele imposto pelos líderes religiosos, um Pai que nunca pede a seus filhos, mas que sempre dá.
A próspera economia do templo de Jerusalém, que o tornava o banco mais forte em todo o Oriente Médio, era sustentada pelos impostos, ofertas e, acima de tudo, pelos rituais para obter, mediante pagamento, o perdão de Deus. Era todo um comércio de animais, de peles, de ofertas em dinheiro, frutos, grãos, tudo para a “honra de Deus” e os bolsos dos sacerdotes, nunca saturados: “cães vorazes: desconhecem a saciedade; são pastores sem entendimento; todos seguem seu próprio caminho, cada um procura vantagem própria” (Is 56, 11).
Quando os escribas, a mais alta autoridade teológica no país, considerando o ensinamento infalível da Lei, vêem Jesus perdoar os pecados a um paralítico, imediatamente sentenciam: “Este homem está blasfemando!” (Mt 9,3). E os blasfemos devem ser mortos imediatamente (Lv 24,11-14). A indignação dos escribas pode parecer uma defesa da ortodoxia, mas na verdade, visa salvaguardar a economia. Para receber o perdão dos pecados, de fato, o pecador tinha que ir ao templo e oferecer aquilo que o tarifário das culpas prescrevia, de acordo com a categoria do pecado, listando detalhadamente quantas cabras, galinhas, pombos ou outras coisas se deveria oferecer em reparação pela ofensa ao Senhor. E Jesus, pelo contrário, perdoa gratuitamente, sem convidar o perdoado a subir ao templo para levar a sua oferta.
“Perdoai e sereis perdoados” (Lc 6,37) é, de fato, o chocante anúncio de Jesus: apenas duas palavras que, no entanto, ameaçaram desestabilizar toda a economia de Jerusalém. Para obter o perdão de Deus, não havia mais necessidade de ir ao templo levando ofertas, nem de submeter-se a ritos de purificação, nada disso. Não, bastava perdoar para ser imediatamente perdoado…
O alarme cresceu, os sumos sacerdotes e escribas, os fariseus e saduceus ficaram todos inquietos, sentiram o chão afundar sob seus pés, até que, em uma reunião dramática do Sinédrio, o mais alto órgão jurídico do país, o sumo sacerdote Caifás tomou a decisão. “Jesus deve ser morto”, e não apenas ele, mas também todos os discípulos porque não era perigoso apenas o Nazareno, mas a sua doutrina, e enquanto houvesse apenas um seguidor capaz de propagá-la, as autoridades não dormiriram tranquilas (“Se deixarmos ele continuar, todos acreditarão nele … “, Jo 11,48). Para convencer o Sinédrio da urgência de eliminar Jesus, Caifás não se referiu a temas teológicos, espirituais; não, o sumo sacerdote conhecia bem os seus, então brutalmente pôs em jogo o que mais estava em seu coração, o interesse: “Não compreendeis que é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda?” (Jo 11,50).
Jesus não morreu pelos nossos pecados, e muito menos por ser essa a vontade de Deus, mas pela ganância da instituição religiosa, capaz de eliminar qualquer um que interfira em seus interesses, até mesmo o Filho de Deus: “Este é o herdeiro: vamos! Matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança” (Mt 21,38). O verdadeiro inimigo de Deus não é o pecado, que o Senhor em sua misericórdia sempre consegue apagar, mas o interesse, a conveniência e a cobiça que tornam os homens completamente refratários à ação divina.
* Alberto Maggi, biblista italiano, frade da Ordem dos Servos de Maria, estudou nas Pontíficias Faculdades Teológicas Marianum e Gregoriana de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversos livros, como A loucura de Deus: o Cristo de João, Nossa Senhora dos heréticos
* Francisco Cornélio, sacerdote e biblista brasileiro, é professor no curso de Teologia da Faculdade Diocesana de Mossoró (RN). Fez seu bacharelado no Ateneo Pontificio Regina Apostolorum, em Roma. Atualmente, está em Roma novamente, para o doutorado no Angelicum (Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino), onde fez seu mestrado.
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